Ah, se as palavras pudessem conter todos os sentidos que o meu coração atribui a esse amor. Entretanto, mero instrumento revelador de verdades subjetivas, minhas mãos já passeiam por esse campo imenso e vazio que é a escrita; sim, vazia de um completo esquecimento dos olhares atentos, das vidas pulsantes, nada além de imaginação. Ao contrário do que sinto, a escrita é meramente imaginária, fictícia, longínqua; só pode ser verossímil, então busca a objetividade de uma verdade una e materna. Mas ela já não existe para os "porquês" de uma sociedade vil e displicente, irredutível e complacente, instrumento alheio de subversão às minorias. Ela quer falar mais alto que a alma, e que o coração, e que a mente, e que todos os outros sentidos corpóreos. Um impasse, uma vírgula, uma cautela a mais, uma regra que desmancha o pensamento linear. A língua não necessita disso. Preocupados com "onde" e "aonde", com "agas" e acentos, somos reduzidos a meros reprodutores de uma "pseudoverdade", que nos foi passada por outra geração acabada pelos mistérios infinitos das regularidades lingüísticas. Já não me importo mais com tanta coisa; o amor completou agora os espaços que faltavam para a minha inteligência. Se ainda procuro algo, é uma maneira de fazer alguém que me ama feliz, o máximo possível. Já não procuro erros nas falas alheias, minha mente já não vasculha mais cada parágrafo escrito em busca de uma eloqüência, de um deslize. Afinal, somos seres humanos; construímos nossa base no erro. E errar é uma conseqüência da tentativa, que é muito importante para o sucesso. As relações infinitas que temos, as palavras ditas, os olhares, os carinhos, os toques, as promiscuidades, as carícias, todas elas tentam resumir a nossa vivacidade, a inteligência de apenas viver, isso que temos que agarrar com a maior força. Mas não: seguimos preocupados em olhar para o mundo em nossa volta, seguimos preocupados em continuar com uma comparação infinita, do fulano e do ciclano, da beltrana e do beltrano. É muito provável que morramos com o desejo, ainda que inconsciente, de sermos o outro, de nos transportarmos e ocuparmos um corpo, de ter um desejo, de degustarmos prazeres que não nos foram concedidos - ou, em uma busca ensandecida, não percebemos que teríamos tudo aquilo.
E eu tive um sonho; talvez um que tenha envolvido meus medos, minhas angústias, que agora já não se encontram presentes. Nele, um amigo, monstros, medo, choro, uma pirâmide. E já não sei o que pensar. Talvez Michael Jackson pudesse me dizer: "'Cause this is Thriller, Thriller Night", e eu acordaria com "a touch of a hand, at the midnight hour, close to your death". Já não vivo aterrorizado por um Deus impiedoso e fugaz; reduzi minha existência a minha sagacidade.
21.7.09
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Um comentário:
Marcus!
Tu escreves muito bem. Parabéns!
fico feliz em testemunhar tanta habilidade e estou surpreso em notar a humildade com que tens encarado a própria existência - pois é algo novo, né?
O amor muda tudo...
Gostei da referência ao Michael Jackson - meu grande ídolo - que descanse em paz.
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